INTERAÇÕES ESTÉTICAS E a
Interculturalidade na cerâmica pataxó.
Este trabalho teve como foco a preservação da cerâmica como
patrimônio imaterial. Tratou-se inicialmente de uma experiência de interação
estética, mas assumiu caráter multidisciplinar, voltado especialmente ao barro
e a arte cerâmica, atuando no fortalecimento da cultura imaterial Pataxó por
meio de diversas ações em favor dos saberes e fazeres, relativos à cerâmica e
ao barro, suscitando o reencontro com a “celebração do barro”, uma cerimônia
ancestral, cuja prática resgatada, se encontra novamente em atividade na
aldeia.
A ação se deu em caráter intensivo e durou cerca de 4 anos,
recebendo diversos prêmios em editais estaduais e nacionais durante esse
período.
Palavras-chave: Cerâmica; indígena; cultura;
imaterial; saberes; fazeres, Pataxó
Contemporânea do fogo, a cerâmica, do grego "kéramos”,
ou "terra queimada" é um material de grande resistência, sendo
frequentemente encontrado em escavações arqueológicas, o que para os povos
indígenas, constitui-se em uma prova irrefutável de seu real direito à terra.
Assim, a cerâmica “fala” sobre identidades, vem acompanhando
a história do homem, deixando pistas sobre civilizações e culturas que
existiram a milhares de anos antes da Era Cristã. Até hoje, é praticada em
algumas aldeias, da mesma forma cerimonial e tradicional que no passado. Além
de sua utilização como matéria-prima em diversos utensílios domésticos; ela é
utilizada na construção civil e como material plástico para artistas, inclusive
sendo utilizada na tecnologia de ponta, mais especificamente, na fabricação de
componentes de foguetes espaciais, justamente devido a suas propriedades e sua
durabilidade.
"O primeiro artesão, foi Deus, que depois de criar o
mundo, pegou o barro e fez Adão." (Ditado popular paraibano).
Para os Pataxó, e nas palavras de Nayara Pataxó, importante
liderança da aldeia da Jaqueira:
_ “Quando Niamissum criou o mundo, ele fez a terra e
toda a natureza. Criou os rios, a floresta, os animais, mas ele precisava de
alguém para poder cuidar da sua criação. Um belo dia formou-se no céu algumas
nuvens de chuva e ao primeiro pingo d’água que caiu na terra, sobre o barro
criou uma primeira pessoa, que foi um índio, e esse índio Niamissum falou que
ele ia se chamar Tcho Phay, e que ele ia cuidar de toda sua criação, ia passar
todo conhecimento e sabedoria pra ele cuidar da sua criação …e daí Tcho Phay
falou pra Niamissum que ele sozinho não ia poder cuidar de tudo porque a terra
era muito grande e ele não ia poder cuidar de tudo e falou que precisava de
mais pessoas com ele e ai começou a cair mais pingos de água sobre a terra e ai
foi espalhando na terra toda, e ai foi formando as aldeias né, mulheres
crianças e assim foi surgindo né o povo indígena, inclusive os Pataxó e o barro
passou a ser uma coisa de grande importância pra nós indígenas”. ¹
¹- Trecho do filme Pataxó: Celebrando o Barro Celebrando
a Vida.
Vários estudiosos confirmam ser, realmente, a cerâmica a
mais antiga das indústrias. Ela nasceu no momento em que o homem começou a
utilizar-se do barro endurecido pelo fogo. Esse processo de endurecimento,
inicialmente obtido casualmente, multiplicou-se, e a medida de sua prática a cerâmica
passou a substituirdiversos utensílios, a pedra trabalhada e a madeira e
aqueles feitos de frutos como o coco ou a cabaça, por exemplo.
Nas palavras do antropólogo alemão Franz Boas:
“Qualquer um que tenha
vivido entre as tribos primitivas, compartilhado suas alegrias e seus
sofrimentos, que tenha conhecido com eles seus momentos de provação e
abundância, e que não os encarem como simples objetos de pesquisa, examinados
como célula num microscópio, mas que os observe como seres humanos sensíveis e
inteligentes que são, admitiria que eles nada possuem de um “espírito
primitivo, de um “pensamento mágico” ou “pré-lógico” e que cada indivíduo no
interior de uma sociedade “primitiva” é um homem, uma mulher ou uma criança da
mesma espécie possuindo uma mesma forma de pensar, sentir e agir que um homem,
uma mulher ou uma criança de nossa própria sociedade”.(Boas,Franz Arte Primitiva, 1927)
A partir dessa reflexão percebemos a importância da
oralidade, e das palavras de Dona Nêga ganham
contornos de achado etnológico, sendo ela, o elo dos saberes da cerâmica Pataxó
na aldeia da Jaqueira, e que encontra-se em idade bastante avançada (97 anos). Daí
a relevância da preservação desse registro e a proposta de documentar esse
processo também em audiovisual, o que tornou-se importantíssima para toda a
comunidade Pataxó, não só da aldeia da Jaqueira.
Dona Ana da Conceição A. dos
Santos – Takwara Pataxó –
Vó Nêga é anciã Pataxó e foi uma das últimas de sua
etnia, a ter contato com a cerâmica tradicional
(foto moldando uma panela de barro durante a
pesquisa em Porto Seguro -2011).